terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Por que as pessoas param de desenhar?

Senta com seu cafezinho, porque esse post vai ser um desabafo longo.

Sou a tia que dá material de arte de presente. Quem poderia imaginar uma coisa dessas, não é? Sempre que tenho oportunidade de incentivar uma criança que se interessa em arte, eu vou lá e me faço de fada da papelaria!

De modo geral, me amarro em desenhos infantis, pois são livres, espontâneos e cheios de significados. Olhar atentamente para o desenho de uma criança é como mergulhar no coração dela.

Desenho da minha sobrinha. Família brincando num playground.

O desenho acima foi feito pela minha sobrinha, quando ela tinha 4 aninhos. Ela me viu colocar balões numa tirinha e quis colocar balões da fala no desenho dela também. Atualmente ela tem 6 anos, ama desenhar e disse que a matéria favorita na escola é artes.

Outra criança com quem tenho contato é a filha de um casal de amigos. Ela agora está com 4 aninhos e eu lembro de brincar de desenhar com ela desde que tinha 2. Quando vem aqui em casa, a gente prepara uma verdadeira estação de trabalho no tapete, com tintas guache escolar, e papeis...

Nossa obra de arte!

É uma paixão que compartilhamos! Mas até quando isso vai durar?
É uma pergunta triste, eu sei.

Por que paramos?
Fiquei pensando sobre isso enquanto olhava os desenhos preciosos. 

A humanidade sempre se manifestou artisticamente ao longo dos anos. Em cada período histórico, toda a civilização apresenta sua forma de comunicação visual de mensagens, de crenças, de costumes... e isso era tão natural!

Então, quando alguém me diz "ah, eu não desenho porque não sei desenhar" ou "eu desenhava só quando era criança", sinto aperto no coração. Será que param por medo de julgamento? 

Penso que ainda existe no imaginário da maioria das pessoas que representações pictóricas só são belas, bem executadas e dignas de apreciação se corresponderem à uma cópia fiel do seu equivalente no mundo físico. Seria um resquício do pensamento renascentista, da tradição acadêmica e seus cânones clássicos, padrões de "beleza" com base nas proporções áureas e pontos de fuga?

Com o advento da fotografia no século XIX, desenho e pintura puderam finalmente se desprender da função/obrigação de representar o real. Os movimentos artísticos modernos surgiram daí, para a liberdade da arte, para que os artistas pudessem ser mais experimentais, espontâneos, expressivos. Na contemporaneidade então... nem se fala! O ideal de ruptura com o formalismo vem com tudo. 

Se hoje temos liberdade para ilustrar numa variedade de estilos, traços, materiais, é graças ao surgimento da fotografia lá atrás.

Oh, céus! Mas olha que doideira: 
Mesmo entendendo tudo isso, às vezes acordo pensando em parar de desenhar.

Calma! Apesar de pensar isso, acho que jamais pararia rs. Desenhar e pintar são as atividades que eu mais amo fazer nessa vida, seria impossível parar. Assim, com a correria do dia a dia e dos prazos dos trabalhos, não dá tempos de fazer arte "pra mim", e quando rola uma folga, eu me sinto tão cansada que acabo tendo preguiça ou bloqueio criativo rs.

O que me desanima?
A síndrome do impostor tem sido, sem dúvida, a maior vilã ultimamente. Acho que por mais que a gente tente o exercício de racionalizar as crises, acabamos nos comparando a outras pessoas e questionando nosso potencial como artista. 

Outra coisa é o investimento de tempo em divulgação do trabalho em rede social. Confesso que cada vez menos tenho paciência de alimentar o Instagram, e a "consequência" disso é a queda no alcance das postagens. Tenho concentrado mais esforços para o portfólio no Behance (que é o link que envio quando faço prospecção do meu trabalho) e marcado mais presença no LinkedIn.

Por último, não menos importante, o atual uso desenfreado da Inteligência Artificial na produção de imagens saiu atropelando o moral de uma porção de ilustrador. A substituição da nossa mão de obra por essa ferramenta mais barata já é uma realidade com a qual precisamos lidar.

E agora?
Vamos sair do fundo desse poço!

Embora tudo isso influencie demais no ânimo e na confiança no nosso taco, é preciso buscar motivação para não desistirmos. E, assim como os desenhos das crianças tiveram o poder de me fazer refletir sobre tudo isso que escrevi, são justamente esses mesmos desenhos/pinturas - tão puros, tão honestos - que me dão força pra continuar.

Não quero perder meu poder de expressão por meio da arte, tampouco quero que as futuras gerações percam algo que é tão natural, tão humano e tão bonito. Que o nosso fazer artístico possa se libertar de qualquer tipo de comparação ou julgamento. Que sejamos, enfim, livres!

Vamos desenhar?